Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas, AE de Santa Catarina

No debate em torno das semelhanças e diferenças entre o fascismo tradicional dos anos 20 e 30 e as suas novas ‘versões’, ou seja, os movimentos populistas, confrontam-se conceitos, orientações ideológicas ou aparentemente doutrinais, e traços mitológicos. Aceita-se que esses novos movimentos não podem ser avatares do fascismo original ou de algum dos regimes fascistas do passado. Mas há um ponto comum dificilmente escamoteável: o culto do chefe.
O papel providencial do líder é um artifício político. A sua personalidade e carisma são, em grande parte, construídos e ponderados estrategicamente. O seu papel histórico na condução das massas é um recurso do passado. A personificação do destino da Pátria ou da Nação é um déjà-vu. Pretende-se que o chefe se transforme novamente na voz do povo contra as elites burguesas. Na expressão da unidade do Estado e do seu novo sentido ético e no garante da evolução e do futuro da Nação. Na figura que evita a decadência e os vícios políticos.
No caso dos populismos, o líder contraria (supostamente) os interesses prejudiciais das elites económico-financeiras. Evita que o povo se dissolva no atomismo dos interesses particulares. Salva o povo dos malefícios da globalização. Permite que, finalmente, o povo seja resgatado da pobreza e eleva-o ao desejado patamar da prosperidade. Mas tal como sucedeu com os fascismos tradicionais, o chefe, o líder ou o Guia dos Povos, o garante da realização do seu destino, apenas criou as condições para que o povo se afundasse ainda mais. Que fosse iludido em projetos bélicos e aventuras imperialistas. O líder enganou e continua a iludir o seu povo. O seu carisma serve apenas para assumir um poder acima daquele que deve ser legitimado pelo funcionamento legítimo das instituições. Atenta contra a separação dos poderes e permite somente que os interesses dos seus próximos sejam atendidos.
Com o culto do chefe reatualiza-se uma ilusão e uma mentira do passado. O líder é um obstáculo ao exercício dos poderes democráticos e das instituições que só podem ser legitimadas pela expressão da vontade maioritária e, que depois, não seja pervertida. Se dessa vontade decorre um regime corrupto existem ou deveriam existir modos de o substituir. Cabe sempre ao povo liderar essa substituição e não a um líder demagogo e hábil, encenando uma personificação da autêntica vontade do povo. O novo líder populista neofascista é um demagogo. E a demagogia serve para manipular o povo e os eleitores (quando o líder se sujeita ao escrutínio) fazendo-os acreditar na ‘salvação’ e na grandeza. O povo deixa-se embarcar, mais uma vez, numa pretensa salvação histórico-política. Trata-se de uma mentira. Ela remonta à absurda elevação do chefe a uma dimensão mítica que já foi ensaiada e realizada nos fascismos e que acabou mal.