Segurança pública, insegurança privada

Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas, AE de Santa Catarina


Para que servem os factos e as estatísticas se o que conta são as opiniões e as agendas ideológicas? Ou, no dizer de alguns, as perceções? Vivemos num país inseguro? Ocorreram atentados terroristas? Confrontos entre grupos de cidadãos e a polícia de choque? Violência urbana e vandalismo? Guerras de gangues? Tiroteios em escolas? Confrontos entre a polícia e ‘anarquistas’? Mortes recorrentes devido a assassinos em série? Invasão de instituições de poder por parte de extremistas?

Nem por isso. Mas alguns insistem em falar diariamente em violência e insegurança. O país está a saque. Pior só o Haiti. Portugal é um país perigoso. Se calhar justificam-se fugas em massa e movimentos migratórios. No entanto, existe de facto uma onda de violência que é ignorada ou ocasionalmente abordada. Mas não se enquadra muito na opinião massificada e demagógica, nas ‘realidades importadas’ e nas perceções da moda.

Trata-se da violência de género. Uma violência, sobretudo, contra as mulheres. Estas são agredidas, assassinadas e discriminadas. As medidas de segurança e as penas contra os agressores são ineficazes ou brandas. Os relatos e as mortes multiplicam-se. Apesar de não ser uma situação exclusiva de Portugal, não é uma ‘realidade importada’. É uma violência real, recorrente e inaceitável. Não seduz o discurso político e populista. Não mobiliza a fúria das massas e não entretém os jovens em busca de novidades e fantasias disseminadas pelo Instagram e pelo Tik Tok, pelo Facebook e pelo X.

Pelo contrário. É muitas vezes ignorada e neutralizada. Passa ao lado e torna-se banal. É uma ‘coisa normal’. Normaliza-se o que não existe e cancela-se o que existe. Levantam-se ondas de alarmismo por tudo e por nada. Exige-se, absurdamente, violência zero num país que é considerado seguro ou pacífico por comparação com outros ‘mais avançados’ ou ‘mais desenvolvidos’. Sobrepõe-se uma violência fantasmática a uma violência real e destrutiva, apesar de ‘privada’ (não esquecendo que a violência doméstica já é um crime público).

São as mulheres, algumas mulheres, demasiadas mulheres que estão em risco. Que se podem sentir inseguras e ameaçadas. Que sofrem violência física e psicológica e que são, muitas vezes, demasiadas vezes, agredidas e assassinadas. Ocupemo-nos dessa insegurança em vez de inventar outras.